Se a morte é a verdade definitiva, o que deveria ser mais importante na vida?
Minha primeira memória sobre o sentido da morte é a imagem de minha mãe ao ler uma carta (dessas de papel, que chegam pelo correio). Ela estava sentada no topo da escada com a carta em suas e chorava muito enquanto lia. Eu ainda era muito pequena naquele momento e não conheci minhas avós, mas naquele momento eu aprendi algo sobre a morte: ela é triste.
Anos depois meu pai partiu, naquele momento a morte adquiriu um sentido de vazio e de silêncio. Não demorou muito para partida de minha mãe. O que antes era vazio, se tornou abismo. Os sentimentos se confundiram, pois o meu filho acabara de nascer. Muitas lições estavam por vir, mas caminhei no deserto da insegurança e medo durante muito tempo até compreender os desígnios da confusão de sentimentos em que me afundara.
O nascimento de um filho é envolto num conjunto de sentimentos e sensações indescritíveis, eu apenas queria estar ali, por e para ele. Na mesma proporção em que eu desejava estar lá, ao lado dela. O sorriso não se abria, a lágrima não caia. Meu corpo ainda estremece à memória olfativa de placenta e crisântemos.
A apreensão de sentido “parece” acontecer de maneira um pouco diferente para cada pessoa, de acordo com a experiência de cada um. Considero ter perdido meus pais um pouco cedo. Meus amigos e parentes ainda tinham seus pais e não compartilhavam da experiência de perder alguém tão próximo. Entre uma amamentação e outra, a vida precisava seguir e seguiu aos trancos.
A morte do meu sogro foi marcada como um momento de dor e aprendizado. Aconteceu aos poucos, como se resistisse a partida, deixou a vida em passos lentos. Talvez eu estivesse mais madura e pronta para acolher e ensinar o que eu aprendi a duras penas. Suportei.
A perda mais recente ainda dói, ele partiu de repente sem sinalizar. Dessa vez foi diferente, nisso a Ada Ferreira tem muita razão, “precisamos viver cada momento como um presente”.
Em minha primeira experiência com a morte, aprendi que ela é triste, no segundo e terceiros encontros, foram um misto de vazio e dor que me ensinou sobre ser forte. Pela quarta vez a senhora morte me ensinou a importância de “viver a morte”. Sim a morte é o que dá sentido à vida e por isso precisamos entender a importância de fazer algo pelo outro, nem que seja apenas para estar ali e ser forte.
Mas desta vez aprendi algo inesquecível: a despedida de um primo querido me ensinou a ser leve. Ele viveu intensamente e nunca rogou estar presente. Aprendi que a vida é uma chama que arde, queima e machuca. Mas uma brisa suave pode apagá-la sem nenhum esforço.
Nossa pele é a roupa mais íntima que nosso corpo recebe, mas nem ela restará quando partirmos dessa terra. O que aprendemos é a única bagagem que levaremos ao partir. O que determina nossa passagem por este mundo são os conhecimentos que compartilhamos e as memórias que construímos ao lado daqueles que amamos.
Para cada partida há uma chegada.
É importante que estejamos trajados de uma presença íntegra para despedir daqueles que nos presenteiam e acolher com bondade e alegria aos que chegam nus e sedentos de aprendizado. O ciclo da vida pode se constituir de muitas fases, mas o grande mistério que a torna extraordinária é que não sabemos o momento de sua finitude.
A melhor maneira manter a esperança é se preparar para o desconhecido, é falar sobre ele.