Eram apenas pedaços, restos de uma árvore que existira ali, ou algum outro lugar, deixados à beira da estrada. O tempo seco era predominante na paisagem que exibia traços bem definidos de troncos e caules que aguardavam a próxima estação.

Um vermelho radiante me fitou, atraiu meu olhar e não resisti ao chamado: a natureza exuberante me transporta para o ressurgir da fênix em meio às cinzas.

Ali me dei conta que “passou o inverno, cessou a chuva e se foi…chegou o tempo de cantarem as aves…” como nos diz um dos livros mais belos e antigos da humanidade: Cantares (2:11-12).

É sobre ela, a natureza que venho falar.

Cada estação tem o seu modo de ser, mas é quando o posicionamento médio do sol, tempo em que o hemisfério sul e norte fica igualmente iluminados, que se torna mais perceptível a exuberância da natureza. Eis que ocorre o fenômeno astronômico que marca o início da estação das flores, me refiro ao equinócio de primavera.

A estação que representa o renascimento nos convida a desfrutar da paisagem alegre e contemplativa.

Um convite a renascer com as flores, um tempo de expansão que aguça nossa sensibilidade e capacidade de perceber a vida que irradia por todos os cantos.

Ah! As cores!

Com o mundo mais iluminado a natureza se torna mais exuberante e primorosa em suas cores. É tempo de equilíbrio entre luz e sombra, o que nos torna capazes de enxergar com maior nitidez o que há de belo, como as flores que esbanjam cores em perfeito equilíbrio.

A temperatura amena também propicia nos desprender dos casacos pesados, que limitam os movimentos e ampliam o peso do corpo que se move lentamente pela estação fria.

Se por um lado o sol e a chuva surgem como frutificantes é preciso uma pausa para

a absorção de água. O período de contenção dos excessos é propício para a reflexão, por isso é tempo de crescimento e evolução.

Ao tempo também é atribuído um momento de interiorização, afinal na primavera noite e dia são igualmente distribuídos. É na sombra da noite que nos recolhemos em descanso e meditação não é mesmo? O despertar das cores iluminadas se despedem da luz para nos fazer adormecer em recolhimento. Onde a luz não pode tocar é, portanto, preservado.

A fotossíntese das plantas é recuperada no processo de afetação da Vida humana, que ganha ritmos alternados e promovem o sentido na descontinuidade do cotidiano: a saturação das cores do dia e densidade obscura da noite.

Vale dizer que o sol não existe apenas para nos aquecer, esta é uma função muito menor. O Sol é a estrela central de todo um sistema que colabora entre si para a vida e funcionamento que ela contém.

A luz de primavera consiste em tornar visível, por contrastes mais acentuados da natureza, a potência de sua presença radiante e irrecusável em equilíbrio com a capacidade humana de absorvê-la em meio às sombras do cotidiano.

Como a vida que floresceu no ventre de Sara, em idade já avançada segundo o livro de Genesis, a promessa de chuva  vem para matar a sede, fazer crescer as plantas, que permite os frutos e os alimentos.

Como os galhos secos à beira da estrada serviram de proteção para germinar a linda flor, o deserto que percorremos não é em vão. A bela flor se destaca em meio a ausência de cor como a felicidade se estabelece em oposição as mazelas que nos acomete.

Para cada dor é lançada a possibilidade de cura. Entre a luz e a sombra há sempre um processo de transformação que conduz para um salto qualitativo capaz de dar mais sentido à vida.

Durante a infância e até meados da adolescência era comum ouvir as pessoas dizerem para um menino que chorava:

“Isso é coisa de mulherzinha!”.

Os anos se passaram e, durante a vida toda, me pareceu comum relacionar mulher à figura de fraqueza. Luiz Fernando Veríssimo escreveu que “Para muitos brasileiros, é como se uma montanha de diminutivos mudasse o sabor de suas palavras nesse processo.” Aquele diminutivo nunca foi sinônimo de carinho, havia ali um sentido único de diminuir a sensibilidade humana como uma forma de defeito, especialmente a sensibilidade feminina, que por natureza está associada a uma percepção maior das coisas comuns.

Demorou, mas compreendi que o ser humano se estende no abismo da dualidade entre o animal e o humano (Nietzsche), por vezes um ou outro se sobressai. Entre o homem e a mulher existem inumeráveis qualidades próprias do humano que não deveriam ser questionadas como fraqueza, mas multiplicadas como qualidades, no entanto se fez necessário o conflito para a negociação de direitos que desencadearam na efervescência das ondas feministas. Felizmente elas existiram e resistem! Não para sermos maiores, mas para sermos iguais enquanto cidadãs, e parte, enquanto humanas.

O ideal feminino que conhecemos no ocidente foi construído para desumanizar, como uma tática de guerra em que, ao criar um estereótipo o inimigo, é desqualificado para que assim seja justificada sua dominação entre gêneros, neste caso.
Pode parecer cruel esta relação, mas é suficiente pensarmos nos anos de submissão de nossas mães, ou na obrigatoriedade do “lavar a louça “(sim, pode parecer estranho, mas a presença masculina ainda está longe de ser um padrão aos pés da pia).

Agora pensemos na mulher enquanto poder natural, afinal a natureza é mãe, mães não falham, ok?

O que seria da nossa sociedade sem a presença do feminino?

Com uma estrutura anatômica para suportar menos peso, a mulher foi forjada para ser equilíbrio e leveza. Com resistência maior a dor, compõe um estrutura de plasticidade mental. Aprendi com a professora Lúcia Helena que a mulher é uma autoridade humana por natureza, pois ela “pensa sentindo” e por isso considera mais as pessoas que os processos, o que a qualifica como uma líder por sua inteligência intelectual, moral e humana.

Homem e mulher são complementares por natureza. Como uma boa fotografia que exige o equilíbrio em seu contraste, o feminino e o masculino, quando se permitem complementar, fazem fortalecer e multiplicar suas habilidades na conquista de seu espaço no mundo. Tornar visível, presente e potente a presença da mulher, é o ponto de partida para um contraste coletivo que adquire espaço e voz no mundo e com isso um perfeito equilíbrio de suas cores.

“O diminutivo é uma maneira afetuosa e cautelosa de usar a linguagem. Carinhoso porque costumamos usá-lo para designar o que é agradável, aquelas coisas tão afáveis que se deixam diminuir sem perder o sentido. E cauteloso porque também o usamos para desarmar certas palavras que, em sua forma original, são muito ameaçadoras”

(Luiz Fernando Veríssimo)