“Reflexões sobre a Vida e a Morte: Uma Jornada de Aprendizado e Amor”

Gosto de janela… é o todo da vida enquadrado.

 (Maudie)

Maud Lewis caminhava trôpega pelas estradas de terra na zona rural de Nova Scotia. Com o movimentos limitados por uma artrite reumatóide, seus dedos eram dolorosamente deformados e o corpo arqueado causava estranhamento na sociedade em que viveu, o que lhe submete a uma vida reclusa e limitada, além de um marido grosseiro e miserável, mas que lhe servia de proteção, em certa medida, diante do medo de ser apedrejada, afinal as pessoas não gostam de quem é diferente.

Protagonizado por Sally Hawkins e Ethan Hawke, a narrativa baseada na vida da artista canadense Maud Lewis comove o espectador ao nos entregar um discurso da arte como o sentido da vida. Assim como ocorreu com os grandes pintores da história, em suas representações de dor e sofrimento, Maudie percorre uma trajetória de preconceito e rejeição.

“Eu pinto tudo da memória, eu não copio muito. Porque eu não vou a lugar nenhum, eu apenas faço meus próprios projetos”

A história triste e dolorida adquire a forma da beleza na mudança de narrativa promovida ao longo do filme. De maneira sutil o marido violento é transformado, mas essa sutileza deve ser percebida e sentida pelo espectador, por isso sem spoiler, ok?

Sugiro prestar atenção no poder de acordar com um travesseiro vazio ao lado.

Maudie é mais que uma cinebiografia, é sobre o lugar da arte em nossa vidas. Sobre a solidão do envelhecer, sobre a força e inteligência feminina e a capacidade humana de superar a dor diante da beleza das pequenas coisas, na transformação da acidez do sofrimento em leveza e doçura da arte.


O termo se tornou popular em 2002, é uma abreviação australiana para a palavra em inglês self-portrait, que significa autorretrato. Mas a nossa estranha mania de aderir o estrangeiro à nossa língua portuguesa, espalhou por aí as versões: feminina – uma selfie, podemos entender por “uma fotografia de si mesmo” e a masculina – um selfie para ~um autorretrato.

O retrato permeia a sociedade e pauta a comunicação interpessoal, sobretudo nas redes sociais. Em meio a uma enxurrada de selfies esvaziadas de sentido, no que se refere a falar de si, mas somente sobre “estar em” ou “estar com”. A câmera sempre no alto, numa altura aproximada de 45 graus captura o melhor ângulo, que costuma ser o que emagrece e permite um estouro da luz vinda comumente do alto causando um efeito plasmado, com o pescoço esticado a pele é estendida, o que prioriza uma pele jovem e uniforme, os truques e segredos dos grandes mestres da fotografia são desvendados e reproduzidos, o que demonstra uma aproximação com os padrões de beleza vigentes e contemporâneos.

Fomos e somos submetidos a violência dos símbolos e através deles se exerce a mesma violência ao tornar-se parte de um mural de exposição de alta rotatividade, num exercício de ver e ser visto, “clicar” do alto instala automaticamente um observador que olha de cima. No ângulo das repetidas selfies está o aparelho dominador, cujo poder está ainda mais alto, nas mãos daqueles que produzem mecanismos para um sistema horizontal sincronizado.

A história do retrato, anterior à fotografia, acompanha a história da humanidade e mostra que o ser humano enquanto ser político, se deixa ver de acordo com sua intenção em demonstrar o próprio poder em relação ao outro no ambiente em que vive. Numa aproximação com o reino animal, aquele que se destaca altivo a frondoso é uma ameaça e por isso corre riscos, desde o risco de ser atacado até o de ser respeitado pelos demais, o que irá depender de sua demonstração de força. Como num jogo, retratar alguém implica em dialogar com o próprio repertório, como uma caixa que se abre revelando um conjunto de experiências e simbologias inscritas no sujeito que fotografa. O uso político das formas irá revelar dentro de um espaço, seja ele quadrado ou retangular, no encontro com o repertório do outro sujeito, um corpo amplo de comunicação, os olhos não só refletem o que está acontecendo no cérebro como também podem influenciar a maneira como movemos o corpo. Um retrato é sempre uma concessão, uma relação entre o retratado e o retratista, mediado por um aparato de escrita.

Toda comunicação começa e termina no corpo, o retrato é uma construção que Harry Pross (1972) chamou de comunicação primária do ser humano, aquela que relaciona corpo a corpo no aqui e agora.

Um retrato não é apenas a presença, mas também a ausência de alguém, no ambiente das redes as figuras totêmicas recebem o maior número de curtidas e compartilhamentos, são os influenciadores digitais a quem se emprega o status e o poder de verdade e exercem violência simbólica à luz da superexposição  perante a sombra de seus seguidores. Esses influenciadores reiteram os padrões estabelecidos na ordem vertical e garantem a função de sincronização social da mídia, gerando uma ritualização do fotografar, editar, publicar, curtir e comentar. A repetição do ritual se completa com o engajamento, que conclui uma participação ativa do corpo do sujeito, debruçado sobre a mesma tela que o faz produtor e que o molda, como um dervixe, retorna ao passo inicial, na angústia de suprir um déficit emocional, criado pela própria mídia.

Cada nova postagem na plataforma é visualizada por segundos enquanto uma notificação no topo da tela informa ao ‘leitor’ que há outras novidades a explorar, rapidamente aquela imagem é substituída por um conjunto de atualizações de modo a fazer desaparecer as visualizadas anteriormente. Diante desta enxurrada de imagens há uma busca por manter-se visível, nesta disputa por visibilidade é recorrente a ritualização do ver. Estamos condicionados a olhar para cima, isto as redes sociais conhecem muito bem, se olharmos apenas uma vez ao dia, encontraremos milhares de atualizações na timeline, não há tempo para que olhemos tudo, além da longa lista de  novas atualizações que continuam intermitentemente a chegar sinalizadas no topo da tela, num primeiro instante soa como um convite, num segundo como uma provocação, até que a repetição faz se sentir aquilo já ultrapassado, e na emergência do atual, nos faz excluir o que vemos para dar lugar ao que há de novo. No topo o algoritmo organiza os assuntos de interesse, que incluem retratos, animais, e assuntos relacionados as palavras pesquisadas pelo navegador. Na busca por visibilidade o sujeito se torna invisível por meio da imagem do próprio corpo que num retrato percorre um quadrângulo de pontas arredondadas, incapazes de perfurar a bolha em que se inseriu.

selfie é uma maneira de dizer: estou aqui, me veja como eu me vejo. Mas o ato despretensioso e ingênuo, revela o desejo de mostra-se no ângulo que nos submete e nos diminuem. Ao nos posicionar abaixo de uma tela que, na maioria das vezes, é menor que a mão que a detém.

Com uma estrutura anatômica para suportar menos peso, a mulher foi forjada para ser equilíbrio e leveza. Com resistência maior a dor, compõe um estrutura de plasticidade mental. Aprendi com a professora Lúcia Helena que a mulher é uma autoridade humana por natureza, pois ela “pensa sentindo” e por isso considera mais as pessoas que os processos, o que a qualifica como uma líder por sua inteligência intelectual, moral e humana.

Homem e mulher são complementares por natureza. Como uma boa fotografia que exige o equilíbrio em seu contraste, o feminino e o masculino, quando se permitem complementar, fazem fortalecer e multiplicar suas habilidades na conquista de seu espaço no mundo. Tornar visível, presente e potente a presença da mulher, é o ponto de partida para um contraste coletivo que adquire espaço e voz no mundo e com isso um perfeito equilíbrio de suas cores.

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